O sexo triste dos jovens (Lya Luft)
Procuro
ser aberta ao novo, ao que me agrada no novo e também ao que exige
um certo tempo para ser assimilado. Às vezes há o que não vale a
pena ser assimilado, então, vou buscar outras paisagens.
Eventualmente não sabemos se vale ou não, então, a gente fica
humilde e espera.
Uma
novidade (para mim) espantosa, narrada e confirmada em mais de um
lugar no país, é dessas que não quero assimilar. Se possível,
enterrava numa cova funda, varrida para baixo de mil tapetes, fazia
de conta que não existia: o sexo (ou simulacro de sexo) sem encanto,
sem afeto, sem tesão, o sexo triste ao qual são coagidos
pré-adolescentes, quase crianças, em famílias de classe média e
alta. Essas que pensamos estar menos expostas às crueldades da vida.
Talvez
eles não precisem comer lixo, correr das balas dos bandidos,
suportar brutalidades e incestos, tanto quanto os mais desvalidos.
Seu mal vem sob outro pretexto: o de ser moderno e livre, ser aceito
numa tribo, causar admiração ou inveja. Cresce, que eu saiba, o
número de meninas de 12 a 14 anos grávidas.
O
impensável ocorre muitas vezes em festinhas nas quais se servem
bebidas alcoólicas (que elas tomam, ou pagariam mico diante das
amigas, e com essa desculpa convencem os pais confusos), não há
nenhum adulto por perto (seria outro mico, e assim elas chantageiam
os pais omissos), e ninguém imaginaria o que ia rolar.
Nessas
ocasiões pode rolar coisa assombrosa sob o signo da falta de
informação, autoridade e ação paternas. Nem sempre, mas acontece.
Crianças bêbadas no chão do banheiro de clubes chiques, adultos
cuidando para não sujar o sapato no vômito não são novidade
(ambulância na porta, porque algumas dessas meninas ou meninos
passam mal de verdade); quantas meninas consigo beijar na boca numa
festinha dessas? Em quantos meninos consigo fazer sexo oral?
Sexo
que vai congelando as emoções ou traz uma doença venérea, quem
sabe uma absurda gravidez – interrompida num aborto, de sérias
consequências nessa idade, ou mantida numa criança que vai parir
outra criança.
“Roubaram
a sexualidade desses meninos”, me diz uma experiente terapeuta. Não
deixaram tesão nem emoção, mas uma espécie de agoniado espanto,
nessas criaturas inexperientes que descobrem seu corpo da pior
maneira, ou aprendem a ignorá-lo, estimuladas ou coagidas por
incredulidade ou fragilidade familiar, pelo bombardeio de temas
escatológicos que nos assola na TV e na internet, com cenas
grotescas, gracejos grosseiros em torno do assunto – “valores”
e “pudor”, palavras hoje tão arcaicas.
Efeito
da pressão de uma sociedade imbecilizada pela ordem geral de que ser
moderno é liberar-se cada vez mais, sem saber que dessa forma mais
nos aprisionamos. Precisamos estar na crista da onda em tudo, tão
longe ainda da nossa vida adulta: sendo as mais gostosas e os mais
espertos, desprezando os professores e iludindo os pais, sendo
melancolicamente precoces em algumas coisas e tão infantilizados e
ignorantes em outras, nisso incluindo nosso próprio corpo, emoções,
saúde e vitalidade.
A
nós, adultos, cabe não desviar os olhos, mas trabalhar na esperança
(caso a tenhamos) de que nossos adolescentezinhos, às vezes ainda
crianças, vivam de maneira natural essa delicada fase, e um dia
conheçam o sexo com ternura, na tensão de sua idade – forte e
boa, imprevista e imprevisível, com seu grão de medo e perigo,
beleza e segredo.
Que
essas criaturinhas sejam mais informadas e mais conscientes do que,
muito mais protegidas que elas, nós éramos. Mas seguras e
saudáveis, não precisando lesar sua bela e complexa intimidade com
tamanha violência mascarada de liberdade ou brincadeira. Sobretudo,
sem serem estimuladas a lidar de modo tão insensato com algo que
pode lhes causar traumas profundos, ou anular um aspecto muito rico
de sua vida.
É
difícil, mas a gente precisaria inventar um movimento consciente,
cuidadoso, responsável, contra essa onda sombria que quer
transformar nossas crianças em duendes pornográficos, deixando
feias cicatrizes, e fechando-lhes boa parte do caminho do crescimento
e do aprendizado amoroso.
(Fonte:
Revista Veja, 23 maio 2010)
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