16 outubro 2019

LIÇÃO DE INCLUSÃO



LIÇÃO DE INCLUSÃO 

   A professora estava tentando convencer seus pupilos do 7°ano a reavaliarem a argumentação festejada de um de seus colegas de sala, o qual havia declarado, triunfante, que o problema do Brasil foi ter sido colonizado pelos portugueses, e não pelos norte-americanos ou pelos japoneses, por exemplo. 

   Dona Catarina explicava aos alunos que a questão não era quem colonizou o Brasil, mas sim como se colonizou o Brasil. 

  Bem quando a professora escrevia no quadro: “Colonização de Exploração X Colonização de Povoamento”, o diretor abriu a porta e interrompeu a aula, não sem apresentar um ar solene. Trazia ao seu lado um garoto de semblante entre preocupado e assustado. A mão do diretor pousada sobre o ombro do novo aluno, como a garantir que ele não sairia correndo e fugisse da sala. 
   – Bom dia, turma! Bom dia professora! Estamos recebendo hoje nosso mais novo aluno, Antônio! O diretor Marcos era todo exclamações como se com isso pudesse tranquilizar o espírito de Antônio em relação a essa experiência sempre estressante para todo jovem que se vê em uma nova escola, praticamente no meio do ano letivo. 
   A professora foi pega de surpresa, estava ainda com os pulmões inflados de ar, pronta para esvaziá-los gradativamente, à medida que fosse tecendo sua explicação para a classe. Conteve-se, então, e expirou lenta e disfarçadamente antes de retribuir ao cumprimento do diretor e de receber e amparar o seu mais novo aluno. 
   Dona Catarina demonstrou uma reação instintiva de olhar para o braço direito do rapaz, o qual tinha uma deformação congênita severa: sua mão, naquele lado do corpo, era conectada diretamente ao cotovelo, ou melhor, onde deveriam estar cotovelo e antebraço. Nela havia apenas três dedos e, no conjunto, a mão lembrava a de um recém-nascido. 
   A professora, rápida e heroicamente, recuperou-se do choque inicial daquele quadro, no mínimo triste, de seu novo aluno Antônio e, num gesto que teve a aprovação do diretor, sinalizado por um meneio de cabeça e um leve sorriso, ela, mesmo sendo destra, esticou o braço esquerdo e apertou a mão perfeita do rapaz, dando-lhe as boas-vindas. 
   Depois, correu a sala com o mesmo olhar que sustentava ao explicar qualquer outra lição, certificando-se de que a turma havia entendido as entrelinhas da mensagem. Sim! todos entenderam e, um a um, levantavam-se e repetiam a nobre atitude da professora. Mais uma vez o diretor balançava a cabeça, para cima e para baixo, satisfeito com tudo. 
  Contando com Antônio, eram agora 32 alunos. Progressivamente, a cada aperto de mãos esquerdas e perfeitas, a situação já se mostrava enfadonha e mecânica. Os alunos se mostravam simpáticos, alguns sorriam e agitavam as mãos que se apertavam com entusiasmo. Só Antônio se mantinha um tanto sério, embora nada comprometesse sua educação e bons modos. 
   Inesperadamente, Jorge, o último aluno a executar o ritual de passagem – um dos famosos alunos do fundão –, estacou frente a Antônio e lhe lançou à frente o braço direito, provocando em Antônio um movimento reflexivo, e parecendo a todos que exigiu dele um certo esforço. Jorge apertou, então, a mãozinha de bebê de Antônio, que saía logo abaixo da manga da camiseta. Jorge pôde sentir que os dedinhos do novo colega se moviam de forma repetida, acariciando-lhe o dorso da mão e, no momento em que tanto o diretor quanto a professora se preparavam para repreendê-lo pela ofensa, Antônio sorriu e, pela primeira vez, todos puderam ouvir sua voz que respondia ao cumprimento de boas-vindas de Jorge. 
     – Muito obrigado! – disse ele. 
   Desfeito o constrangimento, que passou como uma nuvem, Antônio, já sentado, observava a professora escrevendo no quadro a continuação de sua explicação “Colonização de Exploração X Colonização de Povoamento”. 
    Minutos depois, como era de seu costume, Dona Catarina passava em revista pela sala, conferindo a cópia do quadro nos cadernos de seus pupilos. 
    Observou embasbacada a letra primorosa de Antônio, que era desenhada com movimentos ágeis do braço direito deformado e em sua extremidade uma mãozinha de bebê que segurava entre os três dedinhos uma caneta esferográfica. 


                              (Maurício Palmeira)


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3 comentários:

FIM DA JORNADA!!