Juanírio vivia como vivemos nós. Trabalhava, sonhava, sofria. Tinha, na vida, apenas duas alegrias: o dia de pagamento e o matrimônio com Josélia. Na verdade sua única alegria era a esposa. Quando recebia seu ordenado, chegava a casa sorrindo nos olhos da mulher e dizia mês após mês:
– Vão sentá e vê as conta, dessa vez eu acho que consigo comprá aquele seu vestido! Josélia sentava indiferente, jogava a cara pro lado e a apanhava com a mão espalmada. Ela sabia, como sempre ocorria naquele dia, que separado o dinheiro do aluguel, da água, da luz e do mercado, o marido repulsivamente acanhado resmungaria:
– Não sobrou de novo...
A alegria de Juanírio acabava nesse instante, mas a sua esperança e o amor pela companheira tornava-se ainda maior. Doía de tão intenso. Era forte, nosso homem, o trabalho árduo e pouco rentável dera-lhe essa recompensa que só lhe valia pela admiração de Josélia. Enquanto mexia a argamassa ou carregava tijolos, lembrava a voz sussurrada da amiga: – Como é forte o meu amorzão! Juanírio pensava e ria orgulhoso, às vezes temia que alguém lesse sua mente, conhecesse sua intimidade.
Entrou um dia pela porta do escritório, lugar desconhecido, limpo e arejado. Resolveu fazer um empréstimo da firma e dar um basta àquela situação insustentável. Compraria o vestido da esposa. Praguejou apertando os dentes:
– É hoje ou nunca mais! Nem em seus mais ditosos sonhos imaginava que fosse tão fácil. Pedira a tarde de folga e zapt! Lá estava nos fundos da casa, com o vestido embrulhado entre os braços e sentindo uma alegria que há muito não experimentava. Antes de abrir a porta ele teve a nítida certeza de que estava mudando sua vida e segredou de si para si:
– Vou te matá de alegria, mulhé!
Assim que se aproximou da porta do quarto notou que Josélia não estava só, e sentiu-se um gigante quando a ouviu suspirar seu nome:
– Juanírio...
O pior em ser um gigante é o tombo, e este caíra num buraco sem fundo ao ouvir a esposa continuar:
– Não chega a seus pés!
Nosso amigo tomara um susto arrasador. Tentara sorrir do absurdo que pensara, mas após alguns minutos de silêncio, um gemido infame revelava o que estava acontecendo. Ele ficara imobilizado, queria fazer algo. Ir até o quarto. Precisava ver com seus olhos aquilo que seus ouvidos mostravam. Era inútil, pois não conseguia se mover. Ouvia, apenas. Reconhecia a voz, mas desconhecia os gritos obscenos, os pedidos vergonhosos que ela espalhava no interior de sua casa.
Foi então que o gigante recuperara-se da queda. Chutou a porta de papel e repetiu quase a mesma frase:
– Vou te matá, maldita!
Juanírio empunhava uma faca que surgira em sua mão como num passe de mágica. Ergueu-a no ar e logo caíra três metros para trás. A princípio não entendia o que se passava. Havia muito sangue, mas vira a mulher vestir-se sem nenhum ferimento. Olhou o outro canto do quarto e viu um sargento de polícia, com um revólver em punho, nu da cintura para baixo.
Achou graça da cena e riu sofrendo, com sangue na boca. Os dois espectadores olhavam-no abraçados e assustados. Ele sentiu que chegara a sua hora de morrer. Riu novamente, deu meia volta arrastando-se pelo chão, esticou o braço que deslizava na poça de sangue, apanhou o embrulho com o vestido e esfaqueou-o até o seu último suspiro, que ocorreu entre uma facada e um riso.
(Maurício Palmeira)
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