30 janeiro 2019

PARA SEMPRE

   


     Um boteco de esquina, escuro, cheiro de cigarro no ar, uma mesa de sinuca no canto, a bandeira do país pendurada torta acima e dois bêbados sentados à beira do balcão. Um cachorro faminto observa com a língua despencando da boca. O garçom seca copos com olhar entediado.
Ja tive dias melhores - reclama o jovem bêbado com voz embargada.
Pois eu já tive dias piores - responde o velho bêbado.
Ela foi embora. Não disse adeus, não deixou bilhete. Só foi embora.
E por qual motivo tu reclamas? Essas mulheres só servem para reclamar, pra criticar, essa é a verdade. Não te lamentes, jovem. Tu não sabes da sorte que tens! 
Eu a amava muito. Era tudo que eu tinha... Não consigo viver sem sua presença. Eu a quero de volta! 
Meu jovem... ouça com atenção, de alguém que já viveu muito e sabe do que fala. Tem coisas que Deus dá e Deus tira, não te preocupes, o que é teu está guardado - o velho bêbado, em seu sexto copo de uísque, sem gelo por favor, tem sua sensibilidade ainda mais aguçada, falando com os olhos marejados.
Bom... eu não quero o que está guardado para mim. Tudo que quero é ela, somente ela, nada mais. 
Então corra, vá, jovem! Não queres me ouvir, saia daqui e vá atrás da tua mulher, vá ficar perto dela, já que o desejas tanto - o velho aqui fala cheio de ódio, lembrando-se da mulher que o deixara, e ele, covarde, a deixou partir sem pedir explicação.
É isso que farei, não me importo com o resto. É só ela, sempre foi, sempre será!- diz o jovem levantando cambaleante de seu banco de madeira alto, quase o deixando cair.
Boa sorte! - responde o velho amargurado.
     Naquele dia, o jovem embriagado caminhou, caminhou com os braços pendendo ao lado do corpo, caminhou até seus pés não aguentarem e seu corpo, desidratado, clamar por uma parada. O jovem olhou a sua volta, estava exatamente onde queria. O ponto de parada. O ponto final. Suas pernas trêmulas fizeram a última força que poderiam: subir o encosto da ponte. Ponte alta. Embaixo, o mar, revolto, assustador, faminto por jovens desiludidos, desesperados. Com lágrimas escorrendo pelos olhos o jovem sussurra sua última frase:
Querida, vou cumprir minha promessa: foi sempre você e assim será para a eternidade!
     Foram 4 segundos de queda livre. Pouco tempo para alguém que leva sua vida, sua rotina tranquilamente. Muito tempo para alguém à beira da morte. Tempo suficiente para lembrar da pele dela, da saudade que não cabia mais no peito, da risada descontrolada, do amor que foi tão grande, tão perfeito. Lembrou do sangue que escorreu por sua testa no dia do acidente, do som do seu último suspiro, do grito antes da batida fatídica. Vislumbrou o cabelo loiro, os olhos fechados, as mãos unidas junto ao peito e as flores circundando o pescoço, disfarçando as injúrias sofridas e a causa da morte. Por fim, lembrou da promessa que haviam feito, olhando no fundo da alma um do outro: pra sempre. 
     No bar, o velho bêbado acorda, com a cabeça encostada no galpão, a boca seca e a cabeça doendo.
vê-me um uísque, sem gelo por favor!
     O garçom, entediado, enche 1/3 de copo de uísque e limpa o balcão. O cachorro observa faminto. E tudo segue... como sempre foi.


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                                                                                                                                                                        (Maila Palmeira)

2 comentários:

FIM DA JORNADA!!