Dentro de uma linda gaiola vivia um
passarinho. De sua vida o mínimo que se poderia dizer era que era segura e
tranquila, como seguras e tranquilas são as vidas das pessoas bem casadas e dos
funcionários públicos.
Era
monótona, é verdade. Mas a monotonia é o preço que se paga pela segurança. Não
há muito o que fazer dentro dos limites de uma gaiola, seja ela feita com
arames de ferro ou de deveres. Os sonhos aparecem, mas logo morrem, por não
haver espaço para baterem suas asas. Só fica um grande buraco na alma, que cada
um enche como pode. Assim, restava ao passarinho ficar pulando de um poleiro
para outro, comer, beber, dormir e cantar. O seu canto era o aluguel que pagava
ao seu dono pelo gozo da segurança da gaiola.
Bem
se lembrava do dia em que, enganado pelo alpiste, entrou no alçapão. Alçapões
são assim; têm sempre uma coisa apetitosa dentro. Do alçapão para a gaiola o
caminho foi curto, através da Ponte dos
Suspiros.
Há
aquele famoso poema do Guerra Junqueiro, sobre o melro, o pássaro das risadas
de cristal. O velho cura, rancoroso, encontrara seu ninho e prendera os seus
filhotes na gaiola. A mãe, desesperada com o destino dos filhos, e incapaz de
abrir a portinha de ferro, lhes traz no bico um galho de veneno. Meus filhos, a
existência é boa só quando é livre. A liberdade é a lei. Prende-se a asa, mas a
alma voa... Ó filhos, voemos pelo azul!... Comei!
É
certo que a mãe do passarinho nunca lera o poeta, pois o que ela disse ao seu
filho foi: Finalmente minhas orações foram respondidas. Você esta seguro, pelo
resto de sua vida. Nada há a temer. Não é preciso se preocupar. Acostuma-se.
Cante bonito. Agora posso morrer em paz!
Do
seu pequeno espaço ele olhava os outros passarinhos. Os bem-te-vis, atrás dos
bichinhos; os sanhaços, entrando mamões adentro; os beija-flores, com seu
mágico bater de asas; os urubus, nos seus voos tranquilos da fundura do céu; as
rolinhas, arrulhando, fazendo amor; as pombas, voando como flechas. Ah! Os
prudentes conselhos maternos não o tranqüilizavam. Ele queria ser como os
outros pássaros, livres... Ah! Se aquela maldita porta se abrisse.
Pois
não é que, para surpresa sua, um dia o seu dono a esqueceu aberta? Ele poderia
agora realizar todos os seus sonhos. Estava livre, livre, livre!
Saiu.
Voou para o galho mais próximo. Olhou para baixo. Puxa! Como era alto. Sentiu
um pouco de tontura. Estava acostumado com o chão da gaiola, bem pertinho. Teve
medo de cair. Agachou-se no galho, para ter mais firmeza. Viu uma outra árvore
mais distante. Teve vontade de ir até lá. Perguntou-se se suas asas
aguentariam. Elas não estavam acostumadas.
O
melhor seria não abusar, logo no primeiro dia. Agarrou-se mais firmemente
ainda. Neste momento um insetinho passou voando bem na frente do seu bico.
Chegara a hora. Esticou o pescoço o mais que pôde, mas o insetinho não era
bobo. Sumiu mostrando a língua.
—
Ei, você! - era uma passarinha. - Vamos voar juntos até o quintal do vizinho.
Há uma linda pimenteira, carregadinha de pimentas vermelhas. Deliciosas. Apenas
é preciso prestar atenção no gato, que anda por lá... Só o nome gato lhe deu um
arrepio. Disse para a passarinha que não gostava de pimentas. A passarinha
procurou outro companheiro. Ele preferiu ficar com fome. Chegou o fim da tarde e,
com ele a tristeza do crepúsculo. A noite se aproximava. Onde iria dormir?
Lembrou-se do prego amigo, na parede da cozinha, onde a sua gaiola ficava
dependurada. Teve saudades dele.
Teria de dormir num galho de árvore, sem
proteção. Gatos sobem em árvores? Eles enxergam no escuro? E era preciso não
esquecer os gambás. E tinha de pensar nos meninos com seus estilingues, no dia
seguinte.
Tremeu
de medo. Nunca imaginara que a liberdade fosse tão complicada. Somente podem
gozar a liberdade aqueles que têm coragem. Ele não tinha. Teve saudades da
gaiola. Voltou. Felizmente a porta ainda estava aberta.
Neste
momento chegou o dono. Vendo a porta aberta disse:
—
Passarinho bobo. Não viu que a porta estava aberta.
Deve estar meio cego. Pois
passarinho de verdade não fica em gaiola. Gosta mesmo é de voar...
(Rubem Alves)
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