Vicente acordou com a primeira buzina do primeiro motorista madrugador. Tentou se espreguiçar como de costume, de pé com as mãos para o alto, a cabeça para trás, mas não conseguiu o resultado de sempre. O alongamento foi curto e dolorido. Foi então que percebeu que nem tudo estava bem. A Ciência atesta que os olhos humanos são incapazes de focar dois objetos ao mesmo tempo, mas foi exatamente isso que Vicente fez naquela manhã fatídica: observou suas mãos e sua imagem de corpo inteiro refletida no espelho. As mãos manchadas e enrugadas; o corpo esquálido e encanecido. Ou seja, a típica figura de um idoso no limiar de seus setenta anos. O único problema estava no fato de que Vicente completaria, dali a duas semanas, vinte anos de idade. Motivo suficiente para sentir um pânico arrasador que resultou em dois ou mais minutos de completa afasia. Não só era incapaz de gritar por socorro, não conseguia nem mesmo pensar em algo ou movimentar-se. Sim, ele continuava naquela posição de meio alongamento. Só os olhos que se moviam continuamente (das mãos para o espelho, do espelho para as mãos), indicavam que se tratava de um ser vivo e não de um boneco macabro.
̶ Bom-dia, Vince!
Era
a mãe que entrava. Vicente quase experimentou um alívio, mas, ao ver a mãe, seu
choque chegou ao limite do insuportável. Verônica havia deixado o mesmo quarto
na noite anterior e, há apenas dez horas, era uma mulher que, a despeito de seus
quarenta anos, esbanjava beleza e charme. E agora parecia a própria bisavó,
falecida há alguns anos. Vicente deu um grito, embora o som fraco mal alcançasse
a porta aberta do quarto, e despencou em decúbito frontal sobre o tapete.
Acordou,
novamente, mas já não estava em sua cama. No quarto do hospital, o médico lhe
achegava o cobertor ao pescoço e lhe perguntava como estava se sentindo. Ele
respirou profundamente. Sentiu a segurança do ambiente e da presença do médico,
sentado ao seu lado. Fitou o homem que lhe sorria amigavelmente e falou o mais
rápido que pôde.
̶ Doutor, eu tive o pior de todos os pesadelos
da minha vida. Acordei de manhã e percebi que eu estava velho, muito velho.
Minha mãe também tinha envelhecido. E o pior era a sensação de realidade que eu
senti quando acordei.
O
médico desfez o sorriso. Só manteve a expressão bondosa no canto dos olhos e
disse a seu paciente.
̶ Senhor Vicente, fui informado de que você já
repetiu essa história três ou quatro vezes. E que também já perdeu a
consciência o mesmo tanto de vezes. Vamos tentar uma outra abordagem!
Veja,
meu caro, há pessoas que vivem um sonho; outras que sonham uma vida. Você
acordou esta manhã e, por algum motivo inexplicável, passou a habitar esses
dois mundos, digamos assim!
Na
verdade, tudo que você alega ter vivido foi um sonho que você teve na noite
passada. E tudo que você afirma ser um sonho é a sua vida real.
Assim
que terminou sua explanação, o médico puxou o cobertor até os joelhos do
paciente e o que ele vislumbrou, forçando os olhos na direção do peito, foi o
mesmo corpo envelhecido e raquítico, as mesmas mãos ressequidas e de dedos
encurvados.
Era
um velho!
Seguiu-se
um grito, ou gemido, e novamente um desmaio.
MORAL: Se
você não pode realizar um sonho, ao menos não sonhe uma realidade.
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