Friedz
Ruídos.
Meus constantes despertadores, ou de tiros, ou gritos, com sorte...trens.
Felizmente, refiro-me ao terceiro caso. Mas meu destino não é tão feliz.
A janela
embaçada. De dentro do trem é evidente o frio que faz lá fora, a pouca
vegetação à vista é incrustada com flocos de gelo. Até o clima mostra a
desgraça da vida atualmente... digo, sobrevivência.
Todos
pensávamos que a I Guerra seria a pior guerra de todos os tempos; os conflitos,
e as trincheiras... Hoje, no começo do 3º ano da II Guerra; é
evidente que não. Não sei o mal que fiz para merecer viver na mesma época do
Führer. E pior ainda, ser um “saudável” soldado alemão.
- Friederich!
- Meu colega me chama, sem muita afeição, tirando-me de meu monólogo interior.
Hora do serviço. Hora do trabalho sujo.
Ao sair
do trem, o ar gelado colide com a minha pele branca. Ariana. Olho ao meu redor
e vejo a confusão onde ela me colocou, o destino do trem. Ao ver todas as
pessoas aqui, seu nome vem em minha mente. Ben!
Saio da
multidão sem nenhum soldado, o que pode me causar problemas, mas os dizeres na
entrada da minha futura casa me chama atenção. “Arbeit Macht Frei”, “O trabalho
liberta”; nazistas e seu doente senso de humor.
Entro no
temido campo de Auschwitz, daqui posso assistir de longe o desespero dos judeus
que estão a caminho. Tirados de suas famílias, trazidos a uma experiência de
iminente morte lenta. Tudo porque apenas um homem decidiu odiá-los. Doentio e
nojento. Pobre Ben; ele não merecia isso; eu não merecia isso. Hitler merece,
ninguém mais.
O melhor
de tudo? Estou aqui para representar o orgulho da raça ariana. Nazifascista
adepto, soldado alemão, jovem. Se eu não passar tal imagem, serei tão punido
quanto eles. Estou aqui para representar o que mais odeio no mundo; eu nunca
perdoarei a Alemanha por isso. Não tenho ninguém, sou completamente sozinho...
Pelo menos, não tenho mais. No fim do ano retrasado, em Sachsenhausen, outro
campo, cheguei perto de sair dessa solidão horrível. Eu cheguei ao campo com o
mesmo ódio e raiva que sinto hoje, com a expectativa de morrer em algum combate
inesperado, sem a coragem de fazê-lo eu mesmo.
No
primeiro dia, chorei durante a noite. Bati em quatro judeus, senti mais dor que
todos eles juntos. No segundo, quis matar um nazista que quase matou um judeu.
No terceiro, deixei de sentir. Os dias foram se passando e cada vez eu era mais
odiado pelos nazistas do Campo, cada vez eu os odiava mais. Na noite do ano
novo, algo inesperado aconteceu. Os nazistas estavam na festa deles, divertindo-se
maltratando algum judeu infortunado, bebendo, fumando seus charutos. Como era
conhecido em não ser como eles, cruel, não fui convidado; fui obrigado a me
apresentar para o serviço.
Eu tive
de passar a noite fria guardando a despensa, onde guardávamos a única refeição
que eles tinham por dia. Eu e Rudy, outro soldado que não era popular, passamos
a noite ali.
Rudy
acabou adormecendo. Eu não me dou ao luxo de descansar, não quando há tanta
morte ao meu redor. Ouço os fogos e gritos. Ótimo, estamos em 1940; mais 365
dias de desespero. Pergunto-me, com certa esperança, se a guerra acabará este
ano...
Um
barulho me desperta de meus pensamentos. Meu coração dispara, não quero ter que
ser um nazista agora. Olho para os lados, rondo a pequena despensa e vejo um
jovem da minha idade, uns 20 anos, com sua roupa listrada e seu número
estampado no peito. Ele quase alcança um pedaço de pão no canto da cesta, com
um olhar esperançoso e sua mão esticada. Até me perceber. Seu olhar passou a
demonstrar desespero.
Em questão de segundos ele correu como um
animal. Pensei em deixá-lo ir, fingir que não o vi, mas não pude. Agarrei
aquele pedaço de pão que ele não pôde pegar, e me vi fazendo algo nada
planejado.
- Ei! - Corri atrás dele. - Pare aí mesmo!
Quando
ele viu que eu estava perto, desistiu de correr. Parou, olhou em meus olhos e
se ajoelhou; seu rosto encostava no chão; pude ouvi-lo chorar.
- P...Por
favor...Eu não... - Ele se contorce - Tenha misericórdia, eu...
- Ei. -
Eu o interrompi, jogando o pão em suas costas - Na próxima vez não tente fugir.
Então,
foi a minha vez de correr como um animal. Parei para pensar o quanto isso é
errado para os nazistas, e isso me fez dar gargalhadas.
Depois
disso tive uma grande ideia. Talvez se eu ficasse sempre na despensa, poderia ajudar
mais pessoas. Talvez eu estivesse muito desesperado, muito culpado, eu não sei;
mas a sensação que tive ao ajudar aquele jovem, foi... boa. Sensações boas em
plena II Guerra Mundial? Estranho! Mas o melhor tipo de esperança é aquela que
nasce em meio à tempestade.
Consegui
ficar como guarda na despensa. É claro que sim, é um cargo pouco estimado, sem
honra; de madrugada, ... o general até riu. Eu ri por último!
Na
primeira noite, fiquei rondando o lugar, com a esperança de que um pobre
coitado pedisse algo. Qualquer coisa. Nada! Na segunda noite, adormeci. Acordei
com minha própria raiva e desapontamento. Como pude descansar? Não há descanso
para mim.
Na
terceira, quando minha esperança já estava no fim; algo finalmente aconteceu.
Na fria madrugada, o mesmo jovem, veio correndo e parou na minha frente; ele
parecia amedrontado e destemido ao mesmo tempo.
- Por que
você me ajudou no outro dia? - Ele pergunta com uma voz firme.
- Eu não
sou como os outros - A firmeza em minha voz saiu de algum lugar desconhecido.
- Eu sou
Benjamin! - Ele estende a mão.
- Sou
Friederich!
- Então,
Friederich; conte-me sua história - Ele entra na despensa e pega um pão. É
mesmo destemido.
Conversamos
durante a madrugada, pensei que, se estivéssemos na escola juntos, seríamos
bons amigos. Tínhamos diversas coisas em comum.
- Eu
preciso “acordar” daqui a uma hora, preciso ir.
Pego
outro pão e jogo para ele.
- Ei! -
Ele o pegou - Não tente fugir!
Ele
sorriu e foi para o dormitório.
Benjamin
mudou a história da minha II Guerra, viramos mais que amigos, irmãos. Sua
amizade, poder ajudá-lo, foi a melhor coisa que me aconteceu.
Pela primeira
vez, tudo parecia bem. Eu esperava as noites para falar com Ben. Naquele dia,
eu preparei uma surpresa para ele. Consegui mais do que pão; biscoitos e chá;
Apenas imaginava o quanto ele ficaria feliz.
Saio do
meu quarto e o dia parecia tenso, os nazistas estavam felizes, os judeus
aparentavam estar mais miseráveis ainda. Conheço essa atmosfera. Meu coração palpita,
e sinto meu estômago embrulhar, dia de Câmara. O nome aparece em minha cabeça,
e eu não disfarço o desespero. Ben.
Vi a
tabela no salão dos nazis. Hoje todo quarto 173 será eliminado; Todos os judeus
que têm dos números 150 até 180. Penso, Ben...1...6...3. Não, não pode ser.
Vou até a
câmara, procuro Ben, grito “163”, tento chamá-lo, talvez mentalmente? Nada.
Todos os
judeus entraram, meu coração aperta, ele se foi sem dizer adeus. Não tentou
fugir.
Droga, Ben,
eu queria que você tivesse fugido.
...
No ano de
1972, eu volto à Polônia. Não era meu desejo, ainda odeio os lugares da guerra.
Minha esposa Grace insistiu, ela queria ir aos lugares sobre os quais eu
contava minhas histórias de guerra; eu nem tanto, mas não nego nada à minha
Grace.
Passamos
pela frente do campo e as feridas nunca cicatrizadas em meu coração reacendem
um pouco. Decidimos andar pelo centro de Oswiecim, a cidade mais perto dali. O
nome de uma certa padaria me chama a atenção. “Friedz”. Um pouco parecido com
meu próprio nome, de forma reduzida.
Entro lá
e vejo um homem servindo os clientes e sorrindo, pergunto-me se ele esteve na
guerra, parece ter a minha idade. Comemos e pagamos; abraço Grace e viro as
costas para a simpática padaria. Algo macio e quente é jogado em meu ombro, é
um pão.
- Ei -
Escuto o mesmo homem falar - Da próxima, tente não fugir.
Sorrio, ainda
de costas para ele, e vou ao seu encontro com lágrimas nos olhos.
...
Conto de autoria das alunas: Ana Júlia de Lima, Isabella Pensky, Júlia Gebien e Meryllin Eduarda.
Alunas do 1° ano A. (CSA - 2016)
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