Todo caso de amor tem sempre um grande e um pequeno.
O pequeno ama, o grande se deixa amar. O grande fala, o pequeno ouve. O
grande discorda, o pequeno concorda. O pequeno teme, o grande ameaça. O
grande se atrasa, o pequeno se antecipa. O grande pede, ou nem precisa
pedir, e o pequeno já está fazendo.
Não é uma questão de gênero. Existem homens pequenos e homens grandes,
mulheres grandes e mulheres pequenas. O temperamento e as circunstâncias
influem, mas não determinam. O grande pode ser o mais bem-sucedido dos
dois ou não. O pequeno pode ser o mais sensível, mas nem sempre é assim.
Muitas vezes o grande é o mais esperto, mas existem pequenos
espertíssimos. Depende do caso.
Mas como tudo pode acontecer, senão nada disso ia ter graça, por alguma
razão, geralmente à noite, imprevisivelmente, o grande pode ficar
pequeno, e o pequeno ficar grande de repente. Basta um vacilo, um cair
de tarde, um olhar mais assim, um furacão, uma inspiração, uma
imprudência.
Quando isso acontece, é comum o pequeno ficar maior ainda, o que torna o
grande ainda menor. O ex-pequeno, logo promovido a grande, pode se
vingar do ex-grande, se o seu sofrimento tiver boa memória. Aí, coitado
do novo pequeno, vai se arrepender de cada não beijo, cada não
telefonema, cada não noite de insônia, cada não desespero, cada não
entusiasmo, cada não carinho inesperado, indispensável, inevitável,
imprescindível, cada não todas as palavras apaixonadas em qualquer
língua do mundo. Ele vai se surpreender com a reviravolta, no começo,
mas vai se conformar com sua nova condição de pequeno em seguida. E
então vai seguir, cuidadoso e desastrado, na quase inútil intenção de
conquistar o grande urgentemente.
FALCÃO, Adriana. O doido de garrafa.
São Paulo: Planeta, 2003. p. 11-13. (Fragmento).
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